Direito ao Silêncio[1]
Direito ao Silêncio[1]
Right to Silence
Resumo:
Seja o acusado preso ou solto, indiciado ou acusado, ou mesmo a pessoa seja
chamada para depor na condição de testemunha, há a ampla proteção ao silêncio
de qualquer pessoa, em qualquer processo ou procedimento. A partir da evolução
histórica e da jurisprudência, o direito ao silêncio e a não autoincriminação é
alçado como direito fundamental. O princípio da não autoincriminação (ou nemo
tenetur se detegere) constitui não só um dos mais relevantes princípios
aplicáveis ao contexto da produção probatória, mas também, é um dos princípios fundamentais do processo penal
brasileiro.
Palavras-chave:
Direito ao Silêncio. Direito a não autoincriminação. Direito Processual Penal.
CFRB/1988.
Abstract:
Whether the accused is arrested or released, indicted or accused, or even the
person is called to testify as a witness, there is ample protection for
anyone's silence, in any process or procedure. Based on historical evolution
and jurisprudence, the right to silence and non-self-incrimination is
considered a fundamental right. The principle of non-self-incrimination (or
nemo tenetur se detegere) is not only one of the most relevant principles
applicable to the context of probative production, but it is also one of the
fundamental principles of Brazilian criminal procedure.
Keywords:
Right to Silence. Right not to self-incrimination. Criminal Procedural Law.
CFRB/1988.
O princípio nemo tenetur se detegere
refere-se realmente ao direito de todo acusado de não cooperar com a persecução
penal contra ele instaurada, é o direito da não autoincriminação, abstendo-se
de fornecer meios probatórios que possam contribuir para sua incriminação.
É originário do ius commune
europeu, e tem seu equivalente no sistema da common law, através do privilege
against sef-incrimination[2].
Realmente, é uma conquista da defesa
técnica consagrada tanto no Reino Unido como nos EUA após o esforço incansável
dos advogados, que repudiavam a prática arbitrária do juramento ex officio bem
como a presunção de que o silêncio do acusado erigiria prova de sua
culpabilidade.
Enfim, o direito ao silêncio mostra-se
como corolário do abandono do sistema inquisitório e adoção do modelo
acusatório. O princípio em comento materializa a humanização do direito penal e
do processo penal, antes centrado no indivíduo como objeto e meio de prova, o
que admitia a prática de tortura e penas cruéis.
Avalia-se que a extensão do nemo tenetur
se detegere teve peculiar contexto histórico, quando finalmente a liberdade
ergueu-se como valor supremo.
A máxima latina nemo tenetur prodere
se ipsum[3] conexa à nemo tenetur se detegere,
não possui suas origens no direito romano, mas sim, no ius commune europeu. O
direito europeu medieval, o ius commune, era direito culto e composto por dois
direitos, a saber: o direito civil, originário das compilações do Corpus Iuris
Civile de Justiniano; e o direito canônico, cujos ditames viriam a formar o Corpus
Iuris Canonici.
Inicialmente, o direito canônico se
destinava apenas para a administração interna da Igreja Católica Apostólica
Romana, mas sua jurisdição estendeu-se para galgar objetivamente qualquer leigo
que possuísse relação com a Igreja bem como qualquer matéria concernente à fé.
O Direito Canônico[4] (ordenamento jurídico da Igreja
Católica Apostólica Romana) é formado pelo Corpus Juris Canonici, que resultou do Decretum
Gratiani (1140), sucedido pelos decretos dos Pontífices Romanos (séc. XII), de Gregório IX (1234), de
Bonifácio VIII (1298) e pelas Clementinas, de Clemente V (1313).[...]
Primitivamente, o Direito Penal Canônico
teve caráter disciplinar. Aos poucos, com a crescente influência da Igreja e consequente enfraquecimento do
Estado, o Direito Canônico foi-se estendendo a religiosos e leigos, desde que os fatos tivessem conotação
religiosa. (In: BITTENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito
penal: parte geral. 17 ed. São Paulo:
Saraiva, 2012. v. 1. p. 76).
Os canonistas passarão usar a máxima
latina de autoria atribuída à São João Crisóstomo, a qual vinha no popular
manual procedimental do ius commune, o speculum iudiciale.
Ensina in litteris, Maria
Elizabeth Queijo apud Figueiredo: “A regra que vedava compelir alguém à
autoincriminação foi expressa no mais
popular manual processual medieval[5] do ius commune, o Speculum
iudiciale, compilado por William
Durantis, em 1296, representada pela máxima nemo tenetur detegere turpitudinem suam,
significando que ninguém pode ser compelido a ser testemunha contra si mesmo
porque ninguém está obrigado a revelar sua própria vergonha.
O princípio foi acolhido pela maior parte dos comentadores medievais e repetido nos manuais de processo penal
europeus dos séculos XVI e XVII. De acordo
com a acepção do princípio, na época, era vedado exigir que alguém respondesse a perguntas específicas sobre seu
comportamento ou atos da sua vida
privada, submetendo-o a risco de infâmia ou persecução penal.
Entendia-se que os homens deveriam confessar
suas faltas a Deus, mas não deveriam ser compelidos a confessar seus crimes a ninguém mais”.
Constata-se existir uma série de
compilações de textos canônicos reconhecendo a proteção aos acusados, no ano
850, uma compilação oferecia proteção contra os abusos dos senhores feudais;
ii) em 1151, uma compilação levada a
cabo por Graciano, tomando por base o comentário de São João Crisóstomo[6] a trecho da carta de São Paulo aos
Hebreus viria a repudiar a prática da
tortura e proscrever a obrigatoriedade do juramento dos acusados.
Segundo Paulo Mário Canabarro Trois Neto
apud Figueiredo, a dita proteção perdeu força a partir do IV Concílio de Latrão
em 1215[7], que dentre outros métodos
inquisitórios, incluiu o juramento.
[ ...] em 1215, no IV Concílio
de Latrão, com a introdução do jusjurandum de veritate dicenda (juramento inquisitivo),
pelo qual o acusado estava obrigado a dizer
a verdade, a Igreja modifica o entendimento de que a confissão só
poderia ser voluntária.
Em 1252, Inocêncio IV autoriza o emprego
de torturas para obtenção da confissão e
do arrependimento do acusado em casos de heresia cátara. Argumentou o Papa que, se a violência contra os réus era
comumente aplicada no direito comum em
relação a ladrões assassinos, seria injustificável conceder tratamento
privilegiado aos hereges, que não passariam de “ladrões e assassinos da alma”. (In:
TROIS NETO, Paulo Mário Canabarro. O direito à não autoincriminação e direito
ao silêncio. Porto Alegre: Livraria do Advogado
Editora, 2010. p.83).
O IV Concílio de Latrão se tornaria o
marco da adoção do sistema inquisitório pelos canonistas europeus do
continente. Afinal, os inquisidores negariam ao acusado todos os direitos,
sendo o procedimento nos casos de heresia realizado através de audiências[8] secretas, nas quais as testemunhas não
seriam inquiridas na presença do acusado.
E, no final do século XIII, o Papa
Bonifácio VIII[9] ordenaria também a supressão de nomes
das testemunhas. A adoção do sistema inquisitorial em detrimento do acusatório
influenciaria a jurisdição laica, e, até o final do século XV[10], o modelo acusatório estaria
completamente em desuso.
O ius commune europeu lançou as
bases para que a Igreja Católica pudesse reavivar o procedimento inquisitório
cujas bases estavam no Direito Romano. A inquisição para os romanos consistia
no procedimento mediante o qual o magistrado procedia à investigação minuciosa de
fatos envolvidos em uma contenda judicial, fosse ela civil ou criminal.
Até o advento do Renascimento Cultural,
o procedimento inquisitório ainda possuía suas fundações no Direito Romano. (In:
EICHBAUER, Melodie H. Medieval Inquisitorial Procedure: Procedural Rights
and the Question of Due Process in the
13th Century. History Compass. 2014. v. 12. p. 73).
O procedimento inquisitório, então,
destinava-se não apenas à apuração do delito de heresia, mas também e
especialmente aos delitos praticados pelos membros de clero, tais como condutas
sexuais inadequadas e assassinato.
O procedimento garantia direitos ao
acusado, inclusive o de salvaguardar-se da autoincriminação e de consultar
advogados – tais direitos eram referidos
como ordo iuris, ou ordu iudiciorum para o Direito Romano. Entretanto, os julgamentos por crimes
excepcionais - v.g. traição, heresia, feitiçaria – permitiam aos juízes que
suspendessem os direitos procedimentais do acusado.
Com a chegada da Idade Moderna e o
advento do Iluminismo, ocorreu o início do reconhecimento e da construção de
garantias penais e processuais penais. Há com este movimento sociocultural um
combate ao uso da tortura e do juramento, tão usados no procedimento
inquisitorial medieval. Atualmente, configura-se uma imoralidade as tentativas
de compelir o acusado a pronunciar-se de modo incriminatório.
Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria, em
sua famosa obra Dos Delitos e Das Penas, refutou a extração da confissão do
acusado, por meio do juramento e da tortura. A lei que autoriza a tortura é uma
lei que dizia: “Homens, resisti à dor. A
natureza vos deu um amor invencível ao vosso
ser, e o direito inalienável de vos defenderdes; mas eu quero criar em
vós um sentimento inteiramente contrário;
quero inspirar-vos um ódio de vós mesmos;
ordeno-vos que vos torneis vossos próprios acusadores e digais enfim a
verdade ao meio das torturas que vos
quebrarão os ossos e vos dilacerarão os músculos...”.
Lembremos que no procedimento
inquisitório da Idade Média que antevia na confissão a prova de máximo valor,
na qual a linha entre o delito e pecado eram sutil e a autoincriminação do
acusado assumia a forma de expiação e purgação dos pecados.
Foi o Iluminismo que transformou a
justiça penal ao instituir a separação entre as funções de acusar, defender e
julgar, reduzindo a distância entre o Estado-acusador e o acusado, naquele
momento, o réu.
De fato, o direito a não
autoincriminação[11] se manifestou tardiamente nos Estados
de Direito codificado, apresentando-se propriamente, apenas aa partir do século
XIX.
A partir do século XII a Inglaterra
passou a adotar o sistema jurídico conhecido como common law[12], tomando os costumes como a fonte única ou mais
importante do direito, como fundamento básico da jurisdição real.
Esta
forma peculiar do exercício de jurisdição, por certo, afastou o direito
inglês do modelo romano-germânico que
então vigorara no resto da Europa, possibilitando a introdução, na
Inglaterra, de um mecanismo de recursos a
precedentes (casos), condensado nos Year Books, que serviram de
base para o desenrolar dos julgamentos, sempre em consonância com os costumes
adotados nas decisões.
Já no século XV, o common law
cede lugar às designadas jurisdições de
equidade (equity), que aplicava um processo escrito mais inspirado pelo
procedimento do direito canônico.
Entretanto, por volta do século XVII a equity
se integrou à common law, admitindo-se uma dualidade jurisdicional, fundida
posteriormente, por volta de 1873 e 1875, já na Idade Contemporânea. (In:
VALE, Ionilton Pereira do. O direito ao
silêncio no interrogatório no direito processual penal pátrio e comparado.
Revista dos Tribunais, São Paulo , n.929, p. 419-458, mar. 2013. p. 7).
O desenvolvimento do privilégio contra a
autoincriminação como o conhecemos se deu através do direito anglo-americano
onde a máxima se expressou por meio do privilege against self-incrimination.
Esse se consolidou propriamente na common
law inglesa, a partir da metade do século XVII, com a abolição das cortes
eclesiásticas de High Comission e Star Chamber e do procedimento do juramento
ex officio, mas também através da busca pela defesa técnica.
O juramento ex officio consistia
em comparecimento das partes perante estas cortes, submetendo-se a um juramento
de responder quaisquer questões que lhes fossem feitas. Em geral, as acusações
eram desconhecidas.
Assim, o privilege against
self-incrimination desenvolveu-se, inicialmente, como uma proteção às
fisching expeditions, prática por meio da qual os juízes, através do ato do
interrogatório, investigavam os aspectos e procediam a questionamentos alheios
ao objeto da acusação. Os advogados à época já se insurgiam contra a prática do
juramento ex officio, por entender que ele conduzia ao perjúrio.
Foi irresignação dos puritanos contra as
práticas das Cortes de High Commission e Star Chamber tornaram-se
maiores com relação de que o juramento conduzia o acusado a responder questões
potencialmente incriminatórias, independemente da existência de um acervo
probatório suficiente a comprovar as acusações formuladas. Os puritanos estavam
resistindo às tentativas dos reinados de Elizabeth (1558-1603) e da Casa Stuart
(1603-1640) de impor o credo anglicano.
Uma vez que os acusados submetidos à
jurisdição de tais cortes eram comumente acusados de práticas em
desconformidade com o anglicanismo, havia resistência em submeterem-se ao
procedimento do juramento ex officio. Ainda assim, o acusado que se
recusasse ao juramento estaria sujeito à prisão pelo contempt of court
(desobediência aos comandos da corte).(In: LANGBEIN, John H. The
historical origins of the privilege against self-incrimination at Common Law. Michigan: Michigan Law Review, mar. 1994. n.
05. v. 92. p. 1047-1085. p. 1073).
Passaram os Puritanos a buscar
assistência nas cortes de common law, que se provaram dispostas a intervir, expedindo writs de
proibição contra as práticas de ambas as cortes.
E, o habeas corpus também se
difundiu como instrumento hábil a proteger o acusado perante a corte de High
Commission.
O writ de proibição e os habeas
corpus eram instrumentos jurídicos das cortes de common law para interferir nos
julgamentos eclesiásticos. Pelo writ de proibição decidia-se que o acusado não podia ser
submetido a julgamento por determinada
corte. Já o habeas corpus era utilizado contra o poder da Court of
High Commission de decretar prisões.
As cortes de High Comission e Star
Chamber foram abolidas por um Ato do
Parlamento Inglês de 1641, com o qual assentiu o Rei Carlos I24. Os
tribunais eclesiásticos foram proibidos
de impor juramento que viesse a provocar a confissão ou a autoacusação.
Nas cortes de common law, durante
o século XVI, contudo, o privilege against self-incrimination perde parte de
seu significado original,
consubstanciado no direito fundamental,
não de silenciar, mas de falar, que possuía o acusado. Maria Elizabeth
Queijo explica que a ausência de defesa
técnica por advogado compelia o acusado a contrapor as acusações que lhe eram feitas, sendo o seu silêncio na prática
uma autoacusação.
Deveria o acusado contestar as acusações porque não lhe era assegurada a
assistência de advogado, já que inadmissível que terceiro se manifestasse em seu lugar. A
declaração do acusado contava então com caráter
testemunhal. Havia igualmente restrições à convocação de testemunhas
defensivas as quais, não comparecendo,
não seriam intimadas para o ato. Sobre o tema em lume, ensina o professor John H. Langbein.
O privilege against
self-incrimination encontrava limitações também no procedimento do pretrial, disciplinado pelo Marian
Committal Statute de 1555, seguido do século XVI ao XVIII, cujo objetivo era conduzir o acusado a
autoincriminação.
Um magistrado da Justiça de Paz presidia o ato, transcrevendo tudo quanto
fosse dito pelo acusado, a vítima[13] e as
testemunhas de acusação. Se o acusado se recusasse a falar nesta fase,
isso era registrado no relatório a ser
encaminhado para a corte de julgamento. No julgamento, portanto, desejando
o acusado se retratar, tal proceder
seria utilizado em seu desfavor. O pretrial, sendo assim, constituía etapa decisiva do julgamento
principal.
Ressalte-se
que alguns dos pilares de sustentação do processo criminal na common law não se encontravam presentes à
época. Até o século XVIII, o beyond reasonable-doubt standard of proof,[14] ou seja, a fórmula da “dúvida razoável”
da prova , que compele o julgador a
sanar suas dúvidas favorecendo o acusado, não possuía formulação adequada, sendo o acusado compelido a falar.
A máxima que imperava no momento sugeria
que, sendo o acusado inocente, deveria
ter ele a capacidade de provar. Igualmente, não lhe era permitido acesso aos termos de seu indiciamento,
desconhecendo os fatos dos quais deveria se defender, vedação essa que iniciou seu relaxamento com
a edição do Treason Act (1696).
Enfim, o privilege against
sef-incrimination é essencialmente criação da defesa técnica. A vedação da
constituição do advogado e foi gradualmente cedente entre os anos de 1696 a
1837, primeiro com a admissão da defesa por advogado pelo Treason Trials Act
(1696), até o abandono do sistema inquisitório com o Prisoner's Counsel Act
(1836), que permitiu a defesa do acusado em matéria de direito e de fato.
O princípio nos EUA[15] e na Quinta Emenda Constitucional
norte-americana promoveu a consolidação do privilege against self-incrimination
no direito norte-americano. De fato, o direito não autoincriminação
desenvolveu-se mais celeremente que na Inglaterra, tornando-se direito constitucional
consubstanciado na quinta Emenda retromencionada e ratificada em 1791.
In litteris:
“Ninguém poderá ser detido para
responder por crime capital, ou por outra razão
infame, salvo por denúncia ou acusação perante um grande júri, exceto em
se tratando de casos que, em tempo de
guerra ou de perigo público, ocorram nas forças
de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá
ser sujeito, por duas vezes, pelo mesmo
crime, a ter sua vida ou integridade corporal postas em perigo; nem poderá ser obrigado em qualquer
processo criminal a servir de testemunha
contra si mesmo, nem poderá ser privado da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal[16]; nem a propriedade privada poderá
ser expropriada para uso público, sem
justa indenização”.
De fato, principiou a regra no Novo
Mundo, cenário da colônia de New England, ocasião em que os puritanos,
já tendo abandonado sua terra natal, editam em solo americano, o Massachusetts
Body of Liberties, documento que conferia aos membros das colônias a proteção (em parte) contra a
tortura ou qualquer espécie de juramento que os
forçasse a confessar a própria culpabilidade, enfrentando resistência
dos magistrados da colônia.
A tortura, porém, era permitida em
delitos punidos com a pena capital, devendo, entretanto, não ser “bárbara e
inumana.
A provisão do Massachussets Body of
Liberties foi incapaz de satisfazer os membros das colônias, porque ainda legitimava a
prática da tortura. Nessa senda, quando os colonos americanos deixaram Massachussets para se
dirigir a Connecticut, adotaram provisão
semelhante em 1650, desta vez com o intuito de proibir finalmente a
prática da tortura.
É
possível afirmar, portanto, que o privilege against
self-incrimination restou estabelecido com
solidez certa antes de 1650 nas colônias de New England e
sucessivamente na colônia da Virgínia.
O sistema processual penal até o século
XVII era o do accused speaks, não havendo espaço para o privilege.
A defesa técnica por advogado foi permitida em Nova York em 1686, e na Virgínia
em 1735. E, mesmo assim, não existiam advogados para atura nas colônias até o
final do século XVIII.
A constitucionalização do privilege
against self-incrimination é permeada ainda por outras razões, em especial, os procedimentos
das cortes de Governor and Council, as quais constituíam as cortes coloniais máximas,
cujos procedimentos visavam a fortalecer as leis de comércio nas colônias.
A partir da transformação das colônias
em províncias reais estas perdiam o
controle sobre seu sistema de justiça, sujeitando-se à vontade do Governador
Real, que discricionariamente
convocava indivíduos perante o seu Conselho. Diferentemente das cortes comuns, o procedimento aqui era
inquisitivo e autoritário.
Aqueles que desejassem invocar seus direitos enquanto cidadãos
ingleses eram reprimidos, sob o pretexto de que a Magna Carta e demais diplomas legais
garantidores de liberdades individuais não eram
aplicáveis às colônias. Em 1700, o Governador Cornbury de Nova
Iorque negou a incidência do Bill of
Rights e do Act of Toleration, ambos diplomas legais
ingleses.
Enfim, os protestos das colônias contra
a Lei do Selo, os Atos Townshend e outras imposições legais comerciais e
coercitivas deu origem à luta armada, em razão das tentativas da Coroa Inglesa
de endurecer a ordem social nas colônias fortalecendo leis que não eram tidas
como adequadas, inclusive em seu próprio território e, negando aos membros das
colônias os direitos inerentes ao cidadão inglês, sujeitava-os a cortes de prerrogativas, não
compostas por jurados e ao procedimento inquisitório.
A colônia da Virgínia viria a editar sua
Bill of Rights em 1776, antes da Declaração da Independência, a qual
garantia o privilege against self-incrimination diretamente em sua conduziriam
à Constituição Federal o privilege fosse escassamente mencionado, as
circunstâncias o incluíram o artigo quinto do Federal Bill of Rights,
servindo de proteção à nação recém-formada.
O direito ao silêncio no ordenamento
jurídico brasileiro vem do tempo das Ordenações do Reino de Portugal que
vigoraram no país até 1830 com a promulgação do Código Criminal do Império.
À data do descobrimento estavam em vigor
em Portugal[17], as Ordenações Afonsinas, mandadas a
serem compostas por Dom João I, as quais foram concluídas em 1446, possuindo
vigência até 1521, quando da publicação das Ordenações Manuelinas, deliberadas por Dom Manuel, o Venturoso,
as quais tiveram aplicação no Brasil.
Mas foram as Ordenações Filipinas, de
Felipe II de Espanha, que seriam amplamente
aplicadas em território brasileiro. Essas tiveram o objetivo de
reestruturar os velhos códigos por ato
de 5 de junho de 1595, sendo publicadas em 11 de janeiro de 1603, quando já
reinava Felipe III , sendo confirmadas
por Dom João IV, em 1643, após a restauração da casa de Bragança ao trono português. O direito penal
estava contido no Livro V, nas três Ordenações,
sendo distribuído em: i) 121 títulos nas Afonsinas; ii) 113 títulos nas
Manuelinas; e iii) 143 títulos nas
Filipinas.
O direito pátrio foi regulado por
diplomas portugueses até a independência
no ano de 1822.
O
princípio nemo tenetur se detegere já encontra sua aplicação em território brasileiro no período
colonial quando da vigência das Ordenações
Manuelinas, nas quais se encontra dispositivo legal a assegurá-lo, em seu
Livro III, Título XL, nos termos de que
“no feito crime não é a parte obrigada a depor aos artigos que contra ela forem dados”. O acusado, contudo, ainda
poderia ser submetido a tormentos e ao pagamento de multa, de acordo com a gravidade do caso,
para prestar depoimento.
Em 25 de março de 1824[18], Dom Pedro I, Imperador Constitucional,
outorga a Constituição do Império a
qual, inspirada pelo liberalismo inglês e pelo movimento humanitário produzido pelo Iluminismo43, proscreveu
a prática da tortura.
As Ordenações Filipinas continuariam a viger em matéria
processual penal até o advento do Código de
Processo Criminal de Primeira Instância de 1832, no qual o
interrogatório passou a ser tido como
ato de defesa, por influência dos ideais iluministas, entendendo a doutrina da
época que o acusado não deveria prestar juramento e não precisava responder às
perguntas feitas pela autoridade.
Nessa senda, explica Paulo Hamilton
Siqueira Júnio, in litteris:
“José Antônio de Andrade Góes observa
que “o Código Imperial, afastando-se do
sistema inglês, sofreu visível influência do Código Napoleônico do ano
de 1808, sendo o interrogatório naquele período realizado em público, depois de
conhecidas as peças do processo,
limitadas as perguntas a fazer, caracterizando um autêntico ato de defesa, eis que ditas perguntas tendem a
pedir o acusado as provas de sua
inocência [...]”.
Assim, conclui-se que sob a égide do
Código Criminal do Império o
interrogatório era ato de defesa, ficando o magistrado adstrito às
perguntas fixadas pelo estatuto
processual.
Já na Constituição Republicana de 1891
foi assegurada ao acusado a plena defesa, sendo
estabelecido por construção doutrinária que o interrogatório realizado
sob coação era proibido.
Ainda, os Estados-Membros receberam
autonomia legislativa, para legislar sobre
normas de processo, não sendo o tratamento do direito ao silêncio
uniforme – v.g. os Códigos dos Estados
do Rio Grande do Sul, Paraná e do Distrito Federal adotaram posicionamento
no sentido de que o silêncio do acusado
poderia ser interpretado em seu desfavor.
As
Constituições brasileiras de 1934 e 1937 restauraram a unidade
processual, centralizando na União a capacidade para legislar sobre direito
penal e processual penal.
Realmente, a unificação legislativa
sucedeu com o diploma processual penal de 1941,
elaborado sob a égide do ideário positivista, com enfoque na
preponderância dos interesses repressivos
do Estado sobre os interesses individuais. Através do Código Penal de 1941,
o interrogatório do acusado perde sua
característica de meio de defesa para tornar-se meio de prova, nos termos de sua Exposição de Motivos[19].
Outra inovação em matéria de prova diz
respeito ao interrogatório do acusado.
Embora mantido o princípio de que nemo tenetur se detegere (não
estando o acusado na estrita obrigação
de responder o que se lhe pergunta), já não será esse termo do processo, como atualmente, uma série
de perguntas predeterminadas,
sacramentais, a que o acusado dá as respostas de antemão estudadas, para
não se comprometer, uma franca
oportunidade de obtenção de prova. É facultado ao juiz
formular ao acusado as quaisquer
perguntas que julgue necessárias à pesquisa da
verdade, e se é certo que o silêncio do réu não importará confissão,
poderá, entretanto, servir, em face de
outros indícios, à forma do convencimento do juiz.
Com a vinda da Redentora, a Constituição
Federal brasileira de 1988 e, a previsão expressa de direitos e garantias
fundamentais limitadores do Poder estatal, passou a ser assegurado, frente à
disposição do artigo 5º, inciso LXIII, de que o preso será informado de seus
direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo assegurada a assistência
da família e de advogado.
Precisamos ressaltar que o direito a não
autoincriminação na esfera constitucional é um direito fundamental, e, também
atende ao princípio constitucional implícito que é derivado do devido processo
legal e da presunção de inocência e do sistema acusatório.
[...] o direito à informação da faculdade de manter-se em silêncio
ganhou dignidade constitucional, porque
instrumento insubstituível da eficácia real da vetusta garantia e que, ao invés de constituir desprezível
irregularidade, a omissão do dever de
informação ao preso, dos seus direitos, no momento adequado, gera
efetivamente a nulidade e impõe a
desconsideração de todas as informações incriminatória dele anteriormente obtidas, assim como as provas
dele derivadas[...]
Os doutrinadores Gilmar Mendes,
Inocêncio Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco afirmaram tratar-se de autêntico
direito fundamental[20], não sendo autorizado pela via
legislativa ou pela interpretação restringir a sua aplicabilidade. E, assim,
tendo o acusado optado por intervir ativamente no processo, destacam os autores
que o regresso à opção pelo silêncio não mais pode ser considerada.
Os direitos fundamentais os direitos
humanos positivados, especialmente, nas Constituições dos Estados. E, assim,
ainda explica Canotilho[21] que, enquanto os direitos humanos são
aqueles válidos para todos os povos e em todos os tempos, os direitos
fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e
limitados espácio-temporalmente. (In:
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 3ª ed. Coimbra: Editora
Almedina, 1999, p. 369 apud QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não
produzir prova contra si mesmo: o princípio nemo tenetur se detegere e suas decorrências no processo
penal. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 70).
A desconstitucionalização dos direitos
fundamentais foi operada do século XIX representou, assim, a maneira de
assegurar sua observância e garantir sua permanência no ordenamento jurídico.
Portanto, entende-se, que são direitos estimados pelo ordenamento jurídico que
refletem o conjunto de princípios norteadores de uma sociedade, legitimando o
seu sistema jurídico.
É possível afirmar que se destinam,
essencialmente, ao resguardo da dignidade humana, nas relações em sociedade e
frente ao Estado.
Por ser direito fundamental, o princípio
nemo tenetur se detegere é garantia do acusado no processo penal que tutela a
liberdade do indivíduo frente ao Estado. Neste, o indivíduo resta resguardado
da coação física e moral, passíveis de serem empregadas de forma a forçar a
cooperação do acusado na apuração do delito.
O direito a não autoincriminação do
acusado pode ser visto ainda como uma extensão
do direito fundamental à intimidade, de que são titulares os todos os
cidadãos. O reconhecimento do silêncio,
lato sensu, do acusado, é uma garantia de sua liberdade moral, passo fundamental consagrado na Constituição
Federal de 1988.
O enunciado normativo contido no art. 5.º, inciso LXIII[22], da Constituição Federal de 1988, ao se
referir ao direito de “permanecer calado” não autoriza uma concepção
restritiva.
Ao contrário, autoriza uma garantia ampla de uma das manifestações do
direito a não autoincriminação, que compreende
a informação pelo Estado de todos os direitos para os quais e exige uma
manifestação ou opção do preso.
Igualmente salienta-se que, ainda que o enunciado preveja a garantia do silêncio ao preso, as demais normas
constitucionais autorizam o emprego desta garantia também às pessoas livres.
Seguindo diferente linha de raciocínio,
relembra que os direitos fundamentais,
ainda que dotados de características especiais – v.g. possuem grau superior na ordem jurídica; somente podem ser
alterados por meio de procedimento especial;
constituem, outrora, limites à revisão
constitucional; como normas de vinculatividade
imediata constituem parâmetros materiais de escolhas, decisões e
controle dos órgãos legislativos,
administrativos e jurisdicionais – não são absolutos ou ilimitados.
A cláusula que protege o direito ao silêncio, nessa senda,
constituiria norma de eficácia contida, não
impedindo o legislador ordinário de autorizar o juiz criminal a
interpretar livremente o uso de tal
direito pelo acusado, não com exclusividade, mas no conjunto das demais
provas produzidas.
O princípio no ordenamento jurídico
alemão não encontra base constitucional específica na Lei Fundamental da
Alemanha. Entende-se estar compreendida através da disposição do artigo 2, no
qual estão resguardados os direitos da liberdade, especialmente, ao livre
desenvolvimento da personalidade, o qual é primordial direito de defesa do
cidadão perante o Estado.
Igualmente, a Lei Fundamental instituiu
a proteção à dignidade da pessoa humana
como o seu mais alto valor, devendo esta permear todas as demais normas
que a compõem.
Theodomiro Dias Neto, nesse sentido,
destaca que “em síntese, o direito ao silêncio é expressão da proibição contra a
autoincriminação, constitui um direito de personalidade, que por possuir a dignidade humana em seu núcleo,
não está à disposição do legislador”. No plano
internacional, o direito ao silêncio encontra-se positivado no art. 14,
inciso III, do Pacto Internacional[23] de Direitos Civis e Políticos de 1966,
ratificado pela Alemanha em 17 de
dezembro de 1973.
O acusado no sistema penal alemão
situa-se, em dupla-posição, sendo sujeito portador de direitos de participação
ativa e objeto e meio de prova. Porém, não se encontra desprotegido pelo
ordenamento jurídico, porque admissível o seu silêncio, assim como sendo
resguardado seu direito de liberdade da coerção estatal, devendo esta
derradeira ser operada em atenção ao princípio da proporcionalidade e à
proteção de sua dignidade.
O acusado no direito processual penal
alemão está sujeito ao interrogatório em todas
as fases procedimentais, devendo primeiramente ser cientificado do fato
que lhe é imputado, sendo, ato contínuo,
interrogado acerca de sua pessoa. O juiz deverá adverti-lo quanto ao direito ao silêncio, bem como de sua
possibilidade de consultar um advogado.
Embora se entenda, conforme ressalta Maria Elizabeth
Queijo apud Figueiredo, que o acusado não possua um dever de dizer a verdade, a jurisprudência já admitiu
a agravação da pena em função da mentira – ao contrário do sustentado pela
doutrina. Igualmente, possui o acusado um dever de comparecimento ao ato de interrogatório,
sendo autorizada a sua condução coercitiva para
tanto, a ser determinada pelo juiz ou pelo representante do Ministério
Público – sujeita a controle
jurisdicional na última situação.
Ao acusado é resguardado o direito de não responder às perguntas da
autoridade, sendo vedados certos métodos de
interrogatório. A confissão obtida mediante influência corporal ou
psíquica, bem como a coação ilegítima
segundo o ordenamento ou outra medida que afete a capacidade de memória e compreensão não é admitida.
Prevalece o entendimento de que somente
o silêncio parcial – quando não são respondidas perguntas específicas – do
acusado é passível de valoração,
enquanto seu silêncio total não permite qualquer interpretação.
Destaca-se ainda que o acusado é
obrigado a fornecer informações pessoais para fins de identificação – sua recusa é punível com
pena de multa nos termos da Lei de Contravenção
à Ordem Administrativa. Parte da doutrina[24] se manifesta em sentido contrário, por
entender que a identificação do acusado
pode equivaler à confissão, nos casos em que é conhecido e admite sua identidade.
O mesmo princípio no ordenamento
jurídico britânico particularizou-se em 1836 com o Prisioner’s Counsel Act
tornou-se possível a defesa técnica do
acusado, por advogado que poderia dirigir-se ao júri. Através do Jervis
Act de 1848, foi conferido ao
acusado o direito de ser advertido quanto à possibilidade de silenciar no
pretrial, momento do procedimento que,
como outrora destacamos era decisivo no julgamento final.
Foi o fim do Marian Committal Statute,
aplicável ao pretrial. Pode-se dizer, portanto, que a consolidação e a efetividade do privilege
against self-incrimination deriva da interpretação analógica da confession rule e do witness
privilege.
A pacificação dos limites entre a confession
rule e o witness privilege ocorreria com o caso Garbett em 1847.
Finalmente, o Criminal Evidence Act
pacificaria o direito ao silêncio do acusado ao prever que a pessoa acusada não poderia prestar testemunho, salvo
em seu próprio benefício.
Na atualidade, a Câmara dos Lordes
reconhece o direito ao silêncio do
acusado. Entretanto, não há dever por parte da polícia em informar ao
acusado quanto ao direito ao silêncio.
Suas garantias limitam-se ao direito de informar alguém, obter assistência de defensor técnico, bem como consultar o Codes
of Practice.
Quando observamos a publicação do Criminal Justice and Public Order
Act, o qual, de acordo com Maria Elizabeth Queijo, vem sendo bastante questionado perante a
Corte Europeia de Direitos Humanos, em especial
porque, ainda que o referido Act não tenha abolido o direito ao
silêncio, dele se infere a possibilidade
de interpretar o silêncio do acusado em seu desfavor.
A doutrinadora destaca que antes do Act, os órgãos policiais intentaram
a abolição do direito ao silêncio, porque favoreceria criminosos profissionais. Ainda assim,
destaca Ashworth que é na polícia que os suspeitos sentem o peso da intimidação, porque se cria
um ambiente propício à renúncia de direitos.
O Act de 1994 estabeleceu em sua
seção n.º 35 a possibilidade de se fazerem
inferências a partir do silêncio do acusado. Outras seções também
limitam o direito de silenciar: i) a
seção n.º 34 prevê a possibilidade de interpretar em desfavor do acusado o
seu silêncio em relação à fato ou
circunstância importante para sua defesa, devendo ter sido ele advertido a esse respeito; ii) a seção n.º 36
permite a valoração negativa no tocante ao silêncio sobre questões referentes à objetos ou
substâncias que estavam em poder do acusado, bem como a sobre sua presença no local em que foi
preso; iii) a seção n.º 37, por fim, permite seja valorado o silêncio do
acusado quando deixar de responder perguntas atinentes à sua presença no lugar e tempo em que ocorreu o crime.
Problemas surgiram quando submetidas as
disposições do Act perante a Corte Europeia de Direitos Humanos. Com efeito, o direito ao
silêncio do acusado é entendido como garantia
fundamental do fair procedure, conforme interpretação do artigo 6º da
Convenção Europeia de Direitos Humanos.
Alguns casos destacam-se em sua apreciação da matéria:
i) Em Murray versus United Kingdom
entendeu a Corte não ser possível a admissão como meio de prova de uma confissão realizada em
circunstâncias intimidatórias, nas quais o
investigado teve negado o acesso a advogado. Na ocasião, foram feitas
inferências a partir do silêncio do
acusado, resultando em sua condenação. Neste mesmo sentido também se deu a apreciação do caso Magee versus United
Kingdom.
No caso Saunders versus. United
Kingdom, a Corte concluiu que há limitação ao silêncio do acusado quando um diploma legal prevê a
obrigatoriedade de testemunhar frente à
imposição de sanção. A evidência obtida por meio de compulsão não pode
ter peso significativo na aferição da
culpabilidade de um acusado.
iii) Por fim, no caso Beckles versus
United Kingdom, assentou a Corte que pode o
magistrado deixar o júri fazer inferências a partir do silêncio do
acusado. Entretanto, deve este magistrado, primeiramente, demonstrar todas as
etapas anteriores do procedimento que
possam levar à conclusão de que o silêncio do acusado é genuíno, e
destituído de admissão de culpa.
Haver um descompasso entre a legislação
pertencente ao Sistema Europeu de
Direitos Humanos e as disposições internas do Reino Unido. Maria Elizabeth Queijo destaca, ainda assim, que na
doutrina inglesa, os direitos humanos tiveram
“incremento de seu significado no processo penal” .
Nos EUA o princípio no ordenamento
jurídico o privilege against self-incrimination resta consolidado na Quinta
Emenda Constitucional que preleciona que no person shall be compelled in amy
criminal case to be a witness against himself. trata-se de proteção
extensa, abrangendo: i) acusados; ii) testemunhas; iii) os submetidos à persecução penal; iv) os que potencialmente
possam tornar-se acusados.
São registrados casos julgados pela Suprema Corte datados de 1884,
dentre os quais Hopt versus Utah, nos quais se afastou a confissão obtida mediante promessa
de recompensa, mediante a aplicação da 5ª
Emenda.
O silêncio do acusado engloba a renúncia
às perguntas, bem como também o direito de
não testemunhar em seu próprio julgamento, não sendo admitida a
imposição de penalidades em razão do
exercício deste direito – como restou decidido pela Suprema Corte em Griffin
versus California.
Também possui o acusado o direito de que
o julgador informe o júri de que o
silêncio do acusado não deve influenciar em sua decisão sobre, por
exemplo, como no caso Carter versus
Kentucky.
Destaque-se que, no início do século XX,
a Suprema Corte não aplicava a 5ª Emenda
aos Estados-Membros, porque não poderia prescrever regras sobre provas para os Estados. Foi com o julgamento
do caso Malloy versus Hogan em 1963, que a Suprema Corte estabeleceu a aplicabilidade da
referida emenda aos Estados.
O doutrinador Theodomiro Dias Neto
explica que mereceu especial atenção pela Suprema Corte americana a disciplina do interrogatório
policial, pendendo dois questionamentos: i) qual o papel da confissão na elucidação da verdade;
e ii) qual o papel da polícia no interrogatório.
A
Corte passaria, a partir dos anos 30, a buscar a solução para os
questionamentos através do teste de
voluntariedade (voluntariness test), o qual preconiza que, analisando
todas as circunstâncias que envolveram a
confissão se possa demonstrar ter ela sido feita a partir de uma determinação voluntária do acusado.
Para isso, o interrogatório deve ter
sido realizado em conformidade com due process of law. Eis os casos
ilustrativos nesse sentido:
i)
em Bram versus United States, a Suprema
Corte atestou a involuntariedade de uma
confissão realizada mediante promessas.
A Corte também definiu ser inadmissível a confissão mediante influência indevida, envolvendo
artimanhas ou engano por parte da polícia.
ii)
em Roger versus Richmond, decidiu-se
pela inadmissibilidade de confissão obtida
mediante a ameaça de perda de benefícios previdenciários e da guarda dos
filhos. Os agentes policiais
comprometeram-se, no caso em análise, a interceder em favor da acusada, caso
ela confessasse.
Até os anos sessenta, porém, a
voluntariedade ou não da confissão seria apurada por meio da análise das surrounding circunstances, para
avaliação da existência de uma conduta abusiva por parte da polícia. Para estes
fins, avalia-se não somente o agir policial, mas também as vulnerabilidades do próprio
investigado.
Em razão da amplitude do conceito
de totalidade das circunstâncias que
guiava o teste de voluntariedade, passou a Corte a buscar meios mais precisos de decidir sobre a
aplicabilidade do princípio caso a caso – daí a
importância da decisão em Escobedo versus Illinois , na qual foi
invalidada uma confissão obtida em
violação ao direito de assistência por defensor.
No ano de 1965, o caso Griffin versus
California deixaria assentado que os comentários feitos pelo juiz ou pelo acusador sobre a
recusa do acusado em realizar o juramento violariam a 5ª Emenda Constitucional.
No mesmo sentido, entendeu-se que
qualquer comentário pela Corte ou pelo
acusado acerca do silêncio do mesmo ofenderia o privilege against
self-incrimination, entretanto, não estão abarcadas pela proteção do
privilege expressões indicativas de que
o caso não foi refutado ou contraditado.
O julgamento de Miranda versus
Arizona que a Suprema Corte americana
estabeleceu uma série de regras a serem obedecidas por ocasião do
interrogatório policial. A partir de
então a Corte destacou como base para o teste de voluntariedade a 5ª Emenda
Constitucional, e não mais a 14ª Emenda (due process clause).
O caso Miranda versou sobre um
interrogatório realizado pela polícia com Ernesto A. Miranda, em uma sala especial, no qual foi
obtida confissão na qual o suspeito admitiu ter
sequestrado e estuprado uma jovem de 18 (dezoito) anos.
A Corte levou em consideração a natureza do interrogatório em sede policial,
a qual é naturalmente coercitiva.
Em sua opinião, o Chief Justice Earl Warren justificou
que algumas precauções eram necessárias para
assegurar que a confissão feita em sede policial fosse produto de
inequívoca vontade do suspeito.
Para o julgador, o interrogatório
policial possui uma atmosfera capaz de pressionar o indivíduo, enfraquecendo-o e à sua liberdade
pessoal.
Foi considerado também o extenso tempo pelo qual Miranda foi interrogado –
aproximadamente duas horas. O julgador também
destacou que o privilege against self-incrimination ganha
especial relevo quando se trata da
esfera policial, porque é dever do Estado buscar os meios probatórios
por seu próprio esforço, ao invés de
centrar-se em obter confissão do acusado.
Da decisão em Miranda versus Arizona
surge um conjunto de regras a serem adotadas no
interrogatório policial.
Todas buscam, como principal meta, a
efetividade da proteção pelo privilege
against self-incrimination, conforme listamos: i) as regras serão aplicadas
ao indivíduo preso ou que esteja com sua
liberdade cerceada de modo significativo; ii) o acusado deve ser informado do direito ao silêncio
antes de qualquer questionamento; iii) o acusado deve ser alertado de que aquilo que disser
poderá ser usado em seu desfavor; iv) o acusado
deve ser informado de que possui direito à assistência de advogado, o
qual poderá assisti-lo durante o
interrogatório inclusive; v) o acusado deve ser informado de que, não
possuindo condições financeiras, poderá
ser-lhe indicado um advogado; vi) o privilege pode ser invocado em qualquer fase do procedimento,
até mesmo antes do interrogatório; vii) sendo
recusada a assistência de advogado bem como a proteção do privilege, é preciso demonstração clara, não havendo espaço para
presunção; viii) as declarações obtidas em violação a essas regras não serão
admissíveis como provas; ix) o exercício do privilege não será passível de penalização de qualquer
espécie, e a acusação não poderá empregar o seu
silêncio como argumento.
Afirma-se, nesse sentido, que Miranda
versus Arizona é o leading case
em matéria de efetividade das garantias inerentes ao privilege against self-incrimination.
Deve ser ressalvado que as Miranda
Rules são passíveis de utilização quando do
interrogatório sob custódia. Em face da dificuldade para estabelecer o
momento em que o indivíduo se encontra
custodiado, é necessário que sejam avaliadas as circunstâncias que envolveram aquele interrogatório, como a
existência de restrições físicas ao acusado, o local de sua realização bem como, também, o tempo
de sua realização.
Concluindo, o direito ao silêncio é
oriundo do ius commune europeu, advindo do manual popular o Speculum
Iudiciale. Registrou-se retrocesso com a realização do IV Concílio de
Latrão pela Igreja Católica, onde se instaurou o procedimento inquisitório
medieval.
Só com o Iluminismo veio o retorno das
garantias do imputado, em se tratando de Europa Central. Porém, foi no direito
inglês que o princípio através do privilege against self-incrimination
encontrou sua proteção, sendo uma conquista da defesa técnica. Com o direito
norte-americano se estendeu a proteção dada pelo privilege disciplinando-o
constitucionalmente em 1791.
No direito pátrio, no período colonial,
havia disposição expressão nas Ordenações Manuelinas. A Constituição brasileira
de 1824 sob a inspiração do liberalismo inglês proscreveria a prática de
tortura, mas as Ordenações Filipinas continuariam a vigorar até 1832, na
matéria penal. Somente com a Redentora, 1988, que o princípio galgaria o status
de direito fundamental por meio de dispositivo expresso.
No direito alemão, o direito ao silêncio
constitui direito da personalidade com função dúplice: sujeito de direito e
meio de prova e, existir a proteção ao silêncio do acusado, contudo, não existe
o dever de advertência do policial quanto tal possibilidade, sendo passível de
valoração o seu silêncio, conforme o Criminal Justice and Public
Order Act, o qual vem sendo firmemente questionado pela Corte Europeia de
Direitos Humanos.
Já o direito norte-americano protege o
silêncio do acusado desde suas origens, sendo bem amplo seu espectro, e
consolidado na Quinta Emenda e, ratificado nos precedentes jurisprudenciais da
Suprema Corte, especialmente, o caso Griffin versus California, Escobedo
versus Illinois e o conhecido Miranda versus Arizona.
Pela jurisprudência pátria, o Habeas
Corpus nº 171.438, a Segunda Turma do STF, sob a relatoria do ministro
Gilmar Mendes, trouxe os termos da abrangência do princípio da não
autoincriminação, e por consequência o direito ao silêncio, de pacientes
convocados na condição de investigados na CPI que tratou do rompimento de
barragem da companhia Vale em Brumadinho.
“Referenciando o direito ao silêncio
como ‘[…] pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e
materializa uma das expressõe0s do princípio da dignidade da pessoa humana’, a
Segunda Turma do STF reconheceu, a partir de um julgamento acirrado, em que se
vislumbrou empate de votação, o direito de o investigado recusar-se ao
comparecimento ao órgão competente (Câmara dos Deputados) para prestar
depoimento.” A partir disso, o entendimento firmado com o Habeas Corpus
nº 171.438 conferiu um espectro mais amplo ao direito ao silêncio dos
investigados e testemunhas convocadas em CPIs.
Um caso em que o posicionamento da Suprema
Corte seguiu um caminho oposto. Trata-se do Habeas Corpus nº 204.422 de
relatoria do ministro Luís Roberto Barroso publicado em julho de 2021 no
contexto da CPI da Covid-19. Inicialmente assegurou-se à diretora técnica da
empresa “Precisa Medicamentos” o direito de permanecer em silêncio em
seu depoimento na comissão, condição na qual a testemunha deixou de responder
questionamentos a ela dirigidos pelos senadores durante a sessão. Incomodado
com essa postura, o presidente da CPI da Covid-19, senador Omar Aziz,
consultou a presidência do STF[25] sobre como proceder em relação ao caso.
“Em sede de embargos de declaração e em
resposta, o ministro Luiz Fux reconheceu à CPI o poder jurisdicional de decidir
o caso e conduzir a sessão com ampla autonomia, a quem, segundo seu alvedrio,
caberia avaliar se nos questionamentos endereçados à testemunha, orientada pela
defesa constituída, atuava a interpelada nos limites constitucionais ou em
excesso ao direito ao silêncio. Por conseguinte, assegurado, neste julgado, que
o direito ao silêncio não é absoluto.”
A manutenção da tradição do silêncio foi
aprovada mais uma vez pela Lei 10.792/2003 que, sem discussão prévia sobre a
sua relevância ou não, traz importantes e, significativas alterações em alguns procedimentos processuais penais já
consolidados.
Nessa primeira aproximação ao tema, que
não tem a pretensão de esgotá-lo, vamos
analisar dois aspectos: a) em um, a nova redação dada ao artigo 186 do
CPP[26], redação essa que vai ao encontro do texto constitucional que já
defendia o direito do acusado ao silêncio (artigo 5º, inciso LXIII, da Carta Magna de 1988); b) em dois, a profunda e substancial
modificação do antigo artigo 187, agora artigo
188 CPP, em relação ao procedimento no interrogatório do acusado por
parte do juízo do conhecimento.
Também, um importante parágrafo único
com a seguinte redação: "O
silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa".
Inegavelmente se trata aqui de harmonizar, formal e positivamente, aquilo que já estava sendo
determinado pelo texto constitucional,
resolvendo-se, dessa forma, uma questão que apesar de tudo criava
algumas situações constrangedoras, já
que não raro, muitos juízes deixavam de aplicar o comando constitucional para fazer valer a regra do
ordenamento infraconstitucional.
A Lei 10.792/03, na nova redação dada ao
art. 188 do CPP, traz uma nova oxigenação ao
procedimento do interrogatório: "Após proceder ao interrogatório, o
juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando
as perguntas correspondentes se o
entender pertinente e relevante".
Desde logo se entende que, agora, as
partes (isto é, o defensor do acusado, mas,
igualmente o Ministério Público ou o querelante), como quer a lei quando
afirma "... o juiz indagará das
partes...", poderão influenciar, por se fazerem ativamente presentes
de algum modo, ao menos nas perguntas a
serem feitas, mesmo que nesse momento inicial,
o instituto do contraditório no interrogatório[27].
Na verdade, a Lei 10.792/03 apenas
autoriza às partes a "intervirem ou influírem" diretamente nas perguntas feitas, mas feitas, ainda, pelo
juiz ou nas respostas apresentadas pelo
acusado, de forma a procurar mudar um ou outro elemento, para melhor
propiciar o trabalho da defesa ou do
órgão acusador.
A lei processual estabelece ao réu a
possibilidade de quatro condutas quando de seu
interrogatório de mérito: confessar; negar; mentir e silenciar.
Já as Leis nº. 11.689/2008 e nº.
11.719/2008 estabeleceram que tanto no procedimento comum como no do júri o
acusado a primeira pessoa a ser ouvida na instrução, mas a última,
permitindo-lhe que rebatesse todos os fatos alegados em audiência pela vítima e
testemunhas em privilégio à ampla defesa, de modo a demonstrar, mais uma vez,
que o interrogatório deixou de ser meio de prova e se tornou meio de defesa.
Assim, aliás foi o entendimento do STJ
analisando a impossibilidade de prejuízo ao réu
pelo seu silêncio:
“O fato do juiz da causa ter advertido o
paciente de que seu silêncio poderia prejudicá-lo, é irrelevante, na medida em
que, se calado tivesse ficado, tal situação em nada poderia agravá-lo, sendo o silêncio, hoje, constitucionalmente
protegido”. (6ª Turma –
H.C. n.º2571 – 1/PE – Rel. Pedro Acioli – Ementário STJ, 10/671. Grifo meu.
No julgamento do HC n° 79.812-8-SP, em
medida liminar concedida pelo Ministro
Celso de Mello, temos a síntese de todos os Julgados do STF[28] no sentido do direito ao silêncio, bem como a análise de um aspecto
até pouco ou quase nada discutido: “A
possibilidade de a testemunha silenciar”.
No aspecto do direito ao silêncio, assim
preleciona referido julgado com propriedade: “(...) ora paciente que é
investigador de polícia, em Campinas foi convocado a depor, na ‘condição de testemunha’ (fls. 21), perante a
CPI / Narcotráfico, no próximo dia 1° de
dezembro”. “impõe-se ao ora paciente, a obrigação perante a CPI /
Narcotráfico, incumbindo-lhe ainda, o
dever de responder às perguntas que lhe forem feitas, ressalvadas aquelas
cuja resposta possa acarretar-lhe
‘graves danos’”. (CPC. Art. 406, I, c.c. CPP, art.3°, c.c a Lei n° 1.572/52, art 6°).
Assim dispõe o Venerando Julgado, com
relação ao direito ao silêncio, e no caso sub judice, mais notadamente ao da testemunha:
“Sabe-se que, embora comparecendo,
assiste ao ora paciente o direito de se manter em silêncio, sem se expor – em virtude do
exercício legítimo dessa faculdade – a qualquer
restrição em sua esfera jurídica, desde que as suas respostas, às
indagações que lhe venham a ser feitas
pelos membros da CPI / Narcotráfico, possam acarretar-lhe grave dano (nemo tenetur se detegere)”. Grifo meu
Este entendimento, no caso em questão,
também é alicerçado por outros trazidos a
colação pela jurisprudência pátria[29], tais como:
“A condição de testemunha não afasta a
garantia constitucional do direito ao silêncio (CF, art. 5°, LXIII: o preso
será informado de seus direitos, entre as quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a
assistência da família e de advogado).
Com este entendimento, o
Tribunal, confirmando a liminar concedida, deferiu habeas corpus para assegurar ao paciente – inicialmente
convocado à CPI/Narcotráfico, como
indiciado, na eventualidade de retornar à CPI para prestar depoimento,
ainda que na condição de testemunha, o
direito de recusar-se a responder perguntas quando impliquem possibilidade de autoincriminação
(HC. 79.589-DF. Relator Min Octávio
Galotti, data 05.04.2000)”[30].
O conceito de silêncio repousa na
possibilidade constitucional de o réu permanecer calado, não advindo qualquer prejuízo ao
mesmo por tal fato. Há vários outras conceituações devem ser analisadas para suporte ao conceito
constitucional e processual penal, como o
conceito no Direito Civil, Filosofia, Direito Processual Civil e na
linguagem comum.
O silêncio na acepção filosófica, é uma
palavra que designa o estado da pessoa que se cala, que se abstém de falar,
seja pela cessação do comércio epistolar, seja pela falta de resposta. O
silêncio é um ato moral e voluntário, sendo uma manifestação de vontade. Seu
grau de valor moral é medido dependendo do grau de liberdade.
Em suma, o garantismo penal traduz-se na
proteção dos direitos e, não somente, na
observância das garantias do cidadão envolvido em uma situação penal.
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Tribunais, São Paulo , n.929, p. 419-458, mar. 2013.
VITKAUSKAS, Dovyidas; DIKOV, Grigory. Protecting
the right to a fair trial under de
European Convention on Human Rights. Strasbourg: Council of
Europe, 2012. Disponível em:
<http://www.coe.int/t/dgi/hrnatimplement/Source/documentation/hb12_fairtrial_en.pdf>>.
Acesso em 11.7.2023,
[1] Silêncio, do latim Silentium ii (do
verbo sileo). Nos clássicos latinos, o termo apresenta as seguintes conotações: atenção, repouso,
inatividade, sombra, obscuridade, olvido,
etc. É notório que a palavra silêncio possui vários sentidos, de acordo
com a forma empregada. Entretanto,
juridicamente, quem apresenta o seu significado, é o Dicionário Jurídico de Plácido e Silva: SILÊNCIO: do
latim silentium, de silere – calar-se, não dizer palavra, em
sentido comum exprime a quietude, a
abstenção de falar, para não se dizer o que se sabe, ou o que se sente. Assim, silêncio, em acepção
gramatical, é a falta ou ausência de sons, de
vozes ou de palavras.
[2] Na prática, os sistemas de common law
são consideravelmente mais complexos do que o funcionamento idealizado descrito
acima. As decisões de um tribunal são vinculantes apenas numa jurisdição em
particular e, mesmo dentro de uma certa jurisdição, alguns tribunais detêm mais
poderes do que outros. Por exemplo, na maior parte das jurisdições, as decisões
de um tribunal de recursos são obrigatórias para os juízos inferiores daquela
jurisdição e para as futuras decisões do próprio tribunal de recursos, mas as
decisões dos juízos inferiores são apenas "persuasivas", não
vinculantes. Ademais, a interação entre o common law, o direito
constitucional, o direito legislado e os regulamentos administrativos causam
considerável complexidade. Todavia, o stare decisis, o princípio de que os
casos semelhantes devem ser decididos conforme as mesmas regras, está no cerne
de todos os sistemas de common law.
[3] Outro brocardo que visava proteger a
esfera pessoal do indivíduo era o nemo tenetur detegere turpitudinem suam.
Resumidamente, estabelecia a obrigação do homem confessar seus pecados, vergonhas, e eventuais crimes
somente perante a Deus. Embora seja um pouco
forçoso denominar tal princípio como algo próximo ao moderno direito à
privacidade, inegável é reconhecer que,
de certa forma, trata-se de primitiva fonte da referida garantia moderna.
[4] O Direito Canônico precede o direito
comum, dos povos, sendo assim muitas Instituições que são hoje do direito
nacional do direito brasileiro, principalmente do direito civil e processual,
elas foram “inspiradas” nas regras nas normas do direito canônico. Ao descobrir
o Brasil, os portugueses trouxeram na bagagem todo um ordenamento canônico, que logicamente,
predominava naquela época. Ao longo dos
anos essa moralidade foi precursora na elaboração das leis que regiam o
país há séculos atrás, a forma de casamento entre um homem e uma mulher é uma delas que consiste até hoje
pelo código Civil brasileiro. Na Constituição de 1891, houve uma total ruptura
ao reconhecimento estatal sobre o
casamento religioso (p. 251-252). Assim dizia o art. 72, § 4º da citada Carta: “A República só
reconhece o casamento civil, cuja celebração
será gratuita.”. Tal atitude do legislador caracterizava-se como uma
antítese à realidade social, pois a
sociedade brasileira, praticamente toda católica, tinha o casamento religioso como o que deveria ser reconhecido.
[5] O banimento das ordálias e demais métodos
de provas herdados dos povos germânicos
e normandos abriu caminho para criação de método distinto, focado no contraditório, denominado adversary system,
sistema adversarial.
[6] João Crisóstomo (Antioquia, c. 347 — Comana
Pôntica, 14 de setembro de 407) foi um arcebispo de Constantinopla e um dos
mais importantes patronos do cristianismo primitivo. É conhecido por suas
poderosas homilias, por sua habilidade em oratória, por sua denúncia dos abusos
cometidos por líderes políticos e eclesiásticos de sua época, por sua
"Divina Liturgia" e por suas práticas ascetas. O epíteto Χρυσόστομος
("Chrysostomos", em português "Crisóstomo") significa
"da boca de ouro" em língua grega e lhe foi dado por conta de sua
lendária eloquência. O título apareceu pela primeira vez na
"Constituição" do papa Virgílio em 553, sendo João Crisóstomo
considerado o maior pregador cristão da história.
[7] O IV Concílio de Latrão celebrado em 1215
sob liderança do papa Inocêncio III foi o maior dos concílios ecumênicos da
Idade Média. Desta reunião conciliar, resultaram 70 cânones que legislavam
sobre as heresias, previa punições, exclusões e diversas modificações na
organização eclesial. O IV Concílio de Latrão celebrado em 1215 sob liderança
do papa Inocêncio III foi o maior dos
concílios ecumênicos da Idade Média. Desta reunião conciliar, resultaram 70 cânones que legislavam sobre as heresias,
previa punições, exclusões e diversas modificações na organização eclesial. Seu caráter
reformador representou um importante instrumento para a manutenção da unidade da Igreja Católica,
diante da crise espiritual característica do século XII e, para isso, contou com as suas
determinações que fortaleceram o trabalho pastoral da Igreja. Para entender essa dimensão do
concílio, é necessário analisar o seu contexto de crise que estimulou esse ímpeto pastoral por parte
da Igreja.
[8] O Código de Processo Penal brasileiro só
autoriza a retirada do réu da sala de audiência quando o juiz verifica que a
sua presença pode causar humilhação, temor, ou sério constrangimento à
testemunha ou ao ofendido, prejudicando a verdade do depoimento. Nesses casos,
recomenda-se realizar a inquirição por videoconferência, e somente quando não
se puder inquirir por videoconferência é que se manda retirar o réu do recinto
(art. 217 do CPP, com a redação determinada pela Lei 11.690/2008).
[9] Papa Bonifácio VIII (c. 1235 – 11 de
outubro de 1303) foi papa de 1294 até à data da sua morte. Nasceu com o nome
Benedetto Gaetani. Atualmente, Bonifácio VIII é provavelmente lembrado por seus
conflitos com Dante Alighieri, que o retratou no inferno em sua Divina Comédia,
e a publicação da bula Unam Sanctam na disputa contra o rei Filipe IV de
França. Bonifácio VIII defendeu algumas das mais fortes afirmações da
supremacia espiritual dos papas sobre o temporal dos reis e dos senhores
feudais, vinculando-se em grande parte aos ideais da Reforma gregoriana que
tinha sido delineada 250 anos antes, demonstrando-a na sua política externa. O
conflito entre Bonifácio VIII e os reis europeus ocorreu em um momento de
expansão dos Estados-nação e o desejo de consolidação do poder pelos monarcas.
A intervenção de Bonifácio nos assuntos temporais levou a muitas disputas com o
imperador Alberto I da Germânia (1291–1298), com a poderosa família dos
Colonna, com Filipe IV de França (1285–1314) e estranhamente com Dante Alighieri
(que escreveu De Monarchia para argumentar contra ele).
[10] Ao final do século XV, o Papa Inocêncio VIII
designou dois homens de sua confiança, a
saber, Henry Kramer e James Sprenger, como inquisidores oficiais, por
intermédio das chamadas cartas
apostólicas. Não somente, incumbiu-lhes a tarefa de escrever o que talvez seria, na opinião de estudiosos do assunto,
um dos mais infames livros produzidos, o chamado Malleus Malleficarum (comumente traduzido
como Martelo das Bruxas), datado de 1487. Este livro serviria como verdadeiro
manual, que possuía como objetivo precípuo a
padronização do procedimento pelo qual a Santa Inquisição deveria ser
conduzida, com ênfase no tratamento
destinado àquelas pessoas acusadas de bruxaria, baseado no conhecimento operacional e técnico adquirido ao longo dos
dois últimos séculos em que a Inquisição se fez presente, de forma a condensar
as práticas já corriqueiras na obtenção das provas necessárias a condenar aqueles acusados pelos mais diversos
crimes De forma breve e resumida, o Malleus revogava os (poucos) direitos do
réu: se alguém garantias que hoje, para
nós, demonstram-se indissociáveis da figura do réu, tal como a presunção de inocência, ou o direito de não
produzir provas contra si mesmo. A identidade
daqueles que acusam, tal como as investigações e a produção de provas,
seguiam no mais estrito sigilo. A
confissão, que durante muito tempo foi considerada a “rainha das provas”,
era arrancada do acusado, por intermédio
de cruéis (e deveras criativas) torturas, estas quais a história viria a revelar para a posteridade.
por acaso viesse a ser acusado de bruxaria, bruxo era.
[11] A
Constituição procurou assegurar ao preso, ao investigado e ao réu, outras
garantias e outros direitos que, de
maneira indireta, também servem para resguardá-lo e, assim, proporcionar-lhe maior amplitude de defesa.
Já era sensível a evolução da doutrina brasileira no sentido de extrair da
cláusula da ampla defesa e de outros
preceitos constitucionais, como o da presunção de inocência, o princípio de que ninguém é obrigado a se
autoincriminar, não podendo o suspeito ou o
acusado ser forçado a produzir prova contra si mesmo.
[12] A principal característica do common law
é não ser codificado (não existe código civil ou código penal, como no Brasil).
Assim, a sua aplicação é mais objetiva e as regras vão se desenvolvendo
conforme avançam as complexas relações na sociedade. Por esses motivos, há um
forte protagonismo na figura dos juízes. O sistema jurídico Common Law é
utilizado no Reino Unido, nos Estados Unidos e em diversos outros países que
foram colônias britânicas. No Common Law, a fonte primária do Direito é
a jurisprudência, isto é, as decisões que foram tomadas em julgamentos
anteriores. As leis escritas servem como embasamento apenas quando a
jurisprudência não é capaz de solucionar a questão. As decisões judiciais no Common
Law têm caráter ambivalente, pois além de resolverem litígios, servirão
como normas para casos futuros. Esse sistema utiliza o processo indutivo de
análise.
[13] Inicialmente, cabe registrar que nem na
Constituição Federal nem no Código de Processo Penal – CPP, tampouco na Lei
Maria da Penha, há a consagração do direito da vítima em permanecer em
silêncio. A previsão dessa garantia em nosso ordenamento jurídico é taxativa em
benefício do acusado, regra consentânea, aliás, com o sistema acusatório, pelo
qual, ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo (art. 186 do CPP).
Aliás, o protagonismo processual da vítima vem sendo largamente consagrado pela
jurisprudência, ao consolidar o entendimento de que “em crimes cometidos em
cenário de violência doméstica, a palavra [não o silêncio] da vítima assume
especial relevância”. A propósito, em ano de Eleições Gerais, vale destacar que
recentes alterações no sistema eleitoral prestigiaram essa tendência e
trouxeram expressamente em texto de lei semelhante orientação, ao introduzir o
tema da violência política contra a mulher (Lei 14.192/2021, reproduzida, no
ponto, no art. 93-C, § 3º, Resolução TSE nº 23.671/2021).
[14] Susan Haack apud Reis, professora na
Universidade de Miami (EUA), afirma que um julgamento não é como uma
investigação científica, na qual se pode tomar o tempo necessário para esmiuçar
todas as provas possíveis. Afinal, as determinações jurídicas dos fatos estão
sujeitas a limitações de tempo e de restrições a respeito da forma de obtenção
e do tipo de provas que podem ser legalmente apresentadas. Conclui asseverando
que o que se exige do julgador dos fatos não é que determine se o acusado é
culpado, mas, sim, que defina se a culpabilidade do acusado foi estabelecida
pelas provas produzidas no grau exigido.
[15]
Nos EUA, o policial que efetua a prisão do cidadão tem o dever (obrigação
funcional e requisito para o regular aprisionamento) de ler todos os direitos
dele, sob pena de prejuízo à colheita de eventual material probatório. Do
artigo constitucional acima apontado, pode-se aferir também um “direito
fundamental de ADVERTÊNCIA“! E é esse direito constitucional de advertência que
no direito norte americano é chamado de “AVISO DE MIRANDA” (Miranda Warnings).
De acordo com a Suprema Corte dos EUA, a mera ausência dessa formalidade seria
suficiente para inquinar de vício (nulidade) as declarações exaradas pelo
preso, mormente quanto à confissão, bem como as provas daí decorrentes (ou
derivadas).
[16] O devido processo legal substantivo
preceitua que a lei, além de possuir os caracteres de abstração generalidade e impessoalidade, deve
ainda ser razoável e racional. Essa razoabilidade
e racionalidade decorrem da observância do processo de formação das leis, não apenas do procedimento previsto na
Constituição, mas também dos princípios
por ela adotados. Lei que não respeita o preceituado pela Constituição
pode ser lei em sentido formal, mas não
no sentido material, pois viola o princípio do devido processo legal substantivo
[17] A Constituição lusitana vigente, nos
direitos e garantias do indivíduo no processo, exalta a defesa, bem como faz menção expressa à
ilegalidade das provas obtidas por meios
ilícitos, proclamando sua ineficácia como prova, implicitamente
defendendo o direito ao silêncio no
momento em que impede a obtenção de provas que afrontam a integridade física, o direito de liberdade e propriedade,
além da vida privada e da intimidade
[18] Tal dispositivo tem sua origem histórica
desde a Constituição do Império de 1824
que, em seu artigo 179, assim prescrevia: “A exceção do flagrante delito, a
prisão não pode ser executada senão por ordem escrita da autoridade legítima. Se esta for
arbitrária, o juiz que a deu e quem a tiver referido serão punidos, com as penas que a lei
determinar”. E não foi diferente a previsibilidade de tal fato nas
Constituições posteriores, em sua
totalidade. A primeira Constituição da República, de 1891, assim definia
em seu artigo 72, § 13: “a exceção do
flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos
determinantes em lei, e mediante ordem escrita
da autoridade competente”.
[19] Na Constituição brasileira de 1934, no
inciso 21 do artigo 113, a possibilidade da supressão da liberdade veio assim estabelecida: “Ninguém
será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A
prisão ou detenção de qualquer pessoa
imediatamente comunicada ao juiz competente que a relaxará, se não for
legal e promoverá sempre que de direito,
a responsabilidade da autoridade coatora”. A Constituição brasileira de 1967
(artigo 150,§ 12) e Emenda Constitucional n° 01 de 1969 (artigo 153,§ 12) prescreviam que: “Ninguém
será preso senão em flagrante delito, ou pro ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação
da fiança. A prisão ou detenção de qualquer
pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará
se não for legal” Na ordem
constitucional atual, os dispositivos passados foram encartados na Carta Magna em separado, sem contudo perder seus
objetivos de garantias dos direitos
individuais quando da supressão da liberdade. Vide neste sentido os
direitos subjetivos públicos do preso já
analisados, sendo dispensável, portanto, a bem do próprio entendimento e interesse da obra, sua
repetição.
[20] Estabelecido que o direito ao silêncio, uma
das vertentes do princípio nemo tenetur se detegere, trata-se de direito
público subjetivo do indivíduo de estatura constitucional e de aplicabilidade
imediata, sendo plenamente oponível ao Estado em virtude de ser uma das mais
expressivas consequências derivadas da cláusula do devido processo legal, e que
o interrogatório no processo penal é meio de defesa, questiona-se: caso o
acusado manifeste à autoridade judicial, na ocasião do interrogatório, que
pretende responder apenas aos questionamentos formulados pelo seu defensor, é
viável que o juiz encerre o ato, sob o argumento de que o acusado não pode
escolher quais perguntas irá ou não responder? A resposta é negativa. A
referida conduta viola o disposto no art. 5º, LIV, LV e LXIII, da Constituição
Federal, vulnera o disposto nos artigos 14, 3, g do Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos e 8, 2, g da Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), implica mácula ao art. 186, caput e
parágrafo único, do Código de Processo Penal e é contrária aos precedentes do
Supremo Tribunal Federal acima destacados.
[21] Com efeito, ressalta J.J. Gomes Canotilho
que A Constituição contém regras e princípios que, na sua globalidade,
consagram uma disciplina
jurídico-constitucional específica para esta categoria de direitos fundamentais. Ainda assim, a garantia trazida
à baila pela Constituição Federal, visa uma proteção jurídica do indivíduo, através da permanência
do silêncio, pressupondo que o contrário,
seria uma lesão dos direitos subjetivos ou aos direitos legalmente
protegidos.
[22]
Referido dispositivo constitucional brasileiro abriga em seu bojo o direito do
indivíduo, quando da
ocorrência da privação de sua liberdade, de permanecer
em silêncio. Tal dogma constitucional
constitui-se em direito subjetivo público. Tal direito, da permanência em estado de silêncio quando de sua prisão
erigido à condição de dogma constitucional é
tido por J. Crettella Júnior como direito subjetivo público inerente tão
somente a prisão.
[23]
O primeiro documento internacional foi o Pacto Internacional sobre Direitos
Civis e Políticos, que foi adotado na XXI Sessão da Assembleia-Geral das Nações
Unidas, em 16 de dezembro de 1966, e que entrou em vigor no Brasil no dia 24 de
abril de 1992, por força do Decreto n. 592, de 6 de julho de 1992. Este pacto
dispõe no seu artigo 14, 3, g, que “toda pessoa acusada de um delito terá
direito, em plena igualmente, a, pelo menos, as seguintes garantias […] De não
ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.” O segundo
foi a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa
Rica), celebrada em São José da Costa Rica em 22 de novembro de 1969, e que
entrou em vigor no Brasil em 25 de setembro de 1992, conforme o Decreto n. 678,
de 6 de novembro de 1992. De acordo com a Convenção em comento, toda pessoa
acusada de um delito tem direito à garantia de “[…] não ser obrigado a depor
contra si mesma, nem a declarar-se culpada;” (art. 8, 2, g).
[24]
O jurista Luiz Flávio GOMES entende que o direito ao silêncio compreende 4
(quatro) dimensões essenciais, notadamente: O direito de não colaborar com a
investigação ou a instrução criminal; O direito de não declarar contra si
mesmo; O direito de não confessar e; O direito de não falar a verdade, tendo
como base para o seu raciocínio o princípio da máxima efetividade dos direitos
fundamentais (art. 5º, §1º, CF), que jamais devem ser interpretados
restritivamente.
[25] Quanto ao “aviso de Miranda” (advertência
dos policiais quanto ao direito constitucional ao silêncio), o Superior
Tribunal de Justiça, acompanhando posicionamento consolidado no Supremo
Tribunal Federal, firmou o entendimento de que eventual irregularidade na
informação acerca do direito de permanecer em silêncio é causa de NULIDADE
RELATIVA, cujo reconhecimento depende da comprovação do prejuízo (STJ, HC
614.339, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, 5ª Turma, julgado em
09.02.2021). A falta de advertência sobre o direito ao silêncio não conduz à
anulação automática do interrogatório ou depoimento, restando mister observar
as demais circunstâncias do caso concreto para se verificar se houve ou não o
constrangimento ilegal (STF, RHC 107.915, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, julgado
em 25.10.2011).
[26] A Lei Processual penal brasileira também
efetiva o direito ao silêncio em seu artigo 186 , tonificando que este não será
manipulado juridicamente em desfavor do réu. No mesmo sentido é a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a exemplo dos seguintes
precedentes: HC 79.589/DF , HC 73.035/DF , HC 79.244/DF , HC 101.909/MG e HC
79.812/SP .
[27] O acusado no decorrer do interrogatório
poderá permanecer em silêncio ou escolher responder aos questionamentos que lhe
forem feitos e neste último caso o Direito Penal brasileiro lhe assegura o
direito de falar a verdade, uma vez que, não existir o crime de perjúrio no
ordenamento pátrio, diz-se que o comportamento de dizer verdade não é exigível do
acusado, dessa forma a mentira torna-se tolerada, porque dela não pode resultar
nenhum prejuízo ou imputação de crime ao acusado. Como o dever de dizer a
verdade não é provido de coercibilidade e
por não se ter no ordenamento brasileiro sanção contra a mentira, quando
o acusado inventa um álibi que não
condiz com a verdade, simplesmente para criar uma obscuridade de entendimento para o órgão julgador é possível
extrair que a „mentira‟ contada por ele é
perfeitamente tolerável em decorrência do princípio nemo tenetur se
detegere . Há ainda importante fator a ser considerado sobre o acusado não
fazer o juramento de dizer a verdade - como no caso das testemunhas.
[28] Tema 1185 STF - Obrigatoriedade de informação
do direito ao silêncio ao preso, no momento da abordagem policial, sob pena de
ilicitude da prova, tendo em vista os princípios da não autoincriminação e do
devido processo legal.
[29] Segundo a Corte, não se admite condenação
baseada exclusivamente em declarações informais prestadas a policiais no
momento da prisão em flagrante. A Constituição Federal impõe ao Estado a
obrigação de informar ao preso seu direito ao silêncio não apenas no
interrogatório formal, mas logo no momento da abordagem, quando recebe voz de
prisão por policial, em situação de flagrante delito. A falta da advertência ao
direito ao silêncio, no momento em que o dever de informação se impõe, torna
ilícita a prova. Isso porque o privilégio contra a autoincriminação (nemo
tenetur se detegere), erigido em garantia fundamental pela Constituição,
importou compelir o inquiridor, na polícia ou em juízo, ao dever de advertir o
interrogado acerca da possibilidade de permanecer calado. Dessa forma, qualquer
suposta confissão firmada, no momento da abordagem, sem observação ao direito
ao silêncio, é inteiramente imprestável para fins de condenação e, ainda,
invalida demais provas obtidas através de tal interrogatório. No caso, a
leitura dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão da paciente
demonstra que não foi observado o citado comando constitucional. In: STF, AgR no RHC 170.843, Rel. Min. Gilmar
Mendes, 2ª Turma, julgado em 04.05.2021.
[30] Cabe ressaltar que a continuidade do
interrogatório, após a negativa do acusado em responder às formulações da
autoridade judicial, não configura o crime previsto no art. 15, parágrafo
único, I, da Lei n. 13.869/2019 (Lei do abuso de autoridade). Isso porque este
tipo penal foi concebido com o intuito de proibir que as autoridades públicas
constranjam a pessoa interrogada a responder a questionamentos, quando ela já
afirmou o desejo de exercer o direito ao silêncio. Não diz respeito, portanto,
à situação em que a pessoa interrogada deseja selecionar a quem irá ou não
responder, na medida em que, primeiro, não ocorreria qualquer tipo de
constrangimento, nessa segunda hipótese, por parte da autoridade que
prosseguisse o interrogatório dando a palavra ao defensor, bem como porque há a
explícita vontade da pessoa interrogada em exercer a sua autodefesa,
recusando-se, contudo, a responder as perguntas da autoridade judicial.
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